— Que cheiro de bicho morto!
— Sério? Não tô sentindo.
O cheiro de churrasco se espalha, mas o referencial do que representa aquela carne não está presente: um bicho morto. Não deveria ser ofensivo afirmar já que é disso que se trata e todas as pessoas adultas sabem que picanha é carne de boi e lombinho é carne de porco e que um espeto de coraçãozinho são corações de inúmeras galinhas todas mortas. Quer uma carne sangrando, mas o cheiro não pode ser de bicho morto.
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— Ah! Tu é vegetariana, né? Por que tu quis parar de comer carne? — pergunta enquanto rasga ao meio o bife, já sem nenhuma forma reconhecível depois de tantos cortes.
É sempre na mesa que a pergunta vem. O interesse pode até ser genuíno, mas como conversar sobre morte dos animais e morte das florestas com o cadáver presente? A conversa se torna uma hipocrisia porque não tem como argumentar sobre uma escolha enquanto a outra pessoa aprecia satisfeita a escolha oposta.
— Podemos conversar sobre isso em outro momento?
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Faz sete anos que parei de comer carne. Sete anos que continuo comendo ovos e leite. Ovos e leite, aquilo que vem das fêmeas como eu. Sempre que comemoro a escolha por tornar-me vegetariana, relembro e questiono a escolha de não me tornar vegana, apenas reduzir o consumo, sem cessar. Fazer escolhas conscientes mesmo que não as escolhas ideais. Insuficiente talvez, possível por enquanto.
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— Será que a gente vai ver o mundo colapsar?
— Será que já não estamos vendo?
A gente sabe que não adianta fechar a torneira enquanto escova os dentes para reduzir as mudanças climáticas. A culpa é das grandes corporações e dos bilionários.Mas a produção de carne é uma das mais poluentes. A emissão de gás metano liberado no processo digestivo das vacas é um dos que contribuem para elevar a temperatura global, o potencial do metano nessa contribuição é 80 vezes maior que o do gás carbônico. Além disso, são cultivadas monoculturas de soja e de milho para alimentar os animais, desgastando o solo e levando à perda de espécies. Morre a vaca, mas morrem muitos outros animais e plantas pelo caminho.
Mas isso todo mundo sabe.
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Eu parei de comer carne há sete anos porque percebi a relação entre o vegetarianismo e o feminismo. Aos poucos eu percebo mais impactos dessa escolha e reforço a decisão. Hoje eu simplesmente esqueço que ainda se come carne em algum lugar por aí. E afirmo: não é nada custoso não comer.
Tenho outros dois textos sobre o assunto e que eu gosto até mais do que este que acabo de escrever:
Escrevi Churrasco-de-domingo-em-família não é amor logo depois que me tornei vegetariana.
Não preciso fechar a torneira para escovar os dentes foi escrito quando completei dois anos vegetariana. Aqui tem dados bem interessantes!
E tem informação por tudo que é lado e minhas referências vieram dos links abaixo:
Aqui, matérias dos últimos anos:Aqui um livro que vale demais: A Política Sexual da Carne: a relação entre o carnivorismo e a dominância masculina. Tem vídeo da Cristal Muniz, do canal Uma Vida Sem Lixo, sobre o livro para quem quiser ver um resumo do conteúdo.