A do café na cama, do barulho da máquina lavando nossos lençóis.
#15 Faz Sentindo não sermos uma família?
Foi um dia em que eu fiquei bem doente e cogitei a possibilidade de passar a noite na casa dos meus pais, e a Bruna ficou puta comigo, com razão. Aquela era a nossa casa e eu podia me sentir bem e protegida ali, foi assim que eu comecei a entender. Comecei a entender com cheiros de sopa e pão, banhos quentes e carinhos e escolhas bobas como a cor dos móveis ou a necessidade de uma cortina, assim comecei a entender o que era um família, com louças acumuladas e montes de cabelos que se perdiam no chão, cabelos pretos e compridos, porque eu e a Bruna temos cabelos pretos e compridos. Minha família estava ali, com louça, gripes, montes de cabelo, cheiros de comida caseira, café na cama e banhos quentes, com brigas e pedidos de desculpas, carinhos, amores, cuidados, e era mesmo uma família , até quando ficávamos vendo televisão no domingo de tarde ou quando levávamos nosso cachorro imaginário para passear no parque.
Natália Borges Polesso escreveu esse trecho e todo o restante do conto “Minha prima está na cidade” e do livro “Amora”. Eu li esse trecho para o Lucas, que é meu companheiro assim como a Bruna é a companheira da narradora. Li esse trecho para minha mãe, que foi quem, desde muito pequena, me ensinou que a família era isso: montes de cabelos e sopas e carinhos e cheiro de pão. A mãe me ensinou que a família é a nossa casa e talvez por ter consciência disso que doa nas mães quando a gente, filha, vai morar em outro teto.
Eu desenhei um coração do lado desse trecho porque encontrei ali palavras bonitas para dizer o que minha mãe sempre disse, mas dizia mostrando como doeram as vezes em que esse conceito não foi compartilhado. Desenhei um coração porque acredito que eu e o Lucas nos vemos assim desde cedo. Nossa família — aquele nucleozinho apertado em que os dias são compartilhados e em que tudo de alguma forma é compartilhado porque o que é a vida senão os dias — somos nós e nossos gatos. Aqui que a vida acontece.
E eu desenhei um coração e não um asterisco ou uma setinha.
Porque é bonito que a casa da gente seja isso: um lugar para “me sentir bem e protegida”.
Talvez por isso doa tanto perder meu primeiro gato, Muriel, porque começamos nós dois a transformar a casa em família. A casa da gente e os seres com quem dividimos os dias. Filha, mãe, vó, prima, amiga, companheira, gato, cachorro. Família.
Não a tradicional brasileira. Sim a do café na cama, do barulho da máquina lavando nossos lençóis.
É bonito minha mãe me ensinar a construir uma família sem ter medo do dia em que eu sairia de casa. É a certeza no vínculo de amor construído e da relação que ganha manutenção pouco a pouco nos encontros na minha casa, na dela, por aí. Eu ainda buscando o cheirinho da comida de infância e o carinho nos cachorros dela que um dia chamei de meus. Ela ainda descobrindo o gostinho do café daqui e formas de brincar com a Daniela, minha outra gata.
Uma família abraça a outra em uma rede de agarradinhos. Gerações. Longe de mim a ideia patriarcal de família principal e agregados dependurados como enfeites. Não é preciso ter filhos para formar família. Não é preciso um papel carimbado. Basta dividir as compras do mercado e abrir um sorriso bobo ao chegar em casa e poder trocar calor no sofá depois de colocar no corpo aquelas roupas batidas que chamamos de pijamas.
Este texto foi enviado na minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #15 Faz sentido não sermos uma família? enviado em maio. Clica aqui para receber por email.