#17 Faz sentido sermos apenas clientes?
Fui ao médico e, na requisição do exame que ele me entregou, estava escrito Cliente: Laís Webber. Aquele cliente me saltou aos olhos. Até…
Fui ao médico e, na requisição do exame que ele me entregou, estava escrito Cliente: Laís Webber. Aquele cliente me saltou aos olhos. Até pensei se fosse cliente mesmo, exigiria um atendimento bem melhor e menos intrometido na minha vida pessoal. Mas o ponto não era esse.
O ponto é: faço questão de ser paciente do meu médico, não cliente. Assim como quero ser professora dos meus alunos e não uma prestadora de serviços. Na verdade, o ponto anterior define bem o argumento aqui: a relação cliente e prestador de serviço está no âmbito de uma relação neoliberal, de uma ideia individualista em que um tenta ganhar o máximo possível em cima do outro. Exploração, em resumo.
Em oposição, a relação de médico e de paciente e de professora e aluno, guardadas as especificidades de cada uma, estão no âmbito da solidariedade e do afeto no sentido freireano da coisa — estarmos implicados no tratamento/desenvolvimento/aprendizagem do outro.
Quando o dinheiro e o poder não têm a centralidade em uma relação, sobra espaço para a construção conjunta e a colaboração na resolução de questões, sejam elas da área que forem.
Fiquei algumas semanas pensando naquele termo na minha requisição de exame e não parei mais de me perguntar: é só essa relação que a gente sabe ter agora entre pessoas e instituições? (entre pessoas e pessoas a gente deixa para outro momento).
Quando eu era criança, meu pai participava da associação de moradores do bairro e da associação de pais e mestres da minha escola; minha mãe era associada ao sindicato da categoria dela. Eu e meu irmão estudamos em escolas e universidades, ele participou do diretório acadêmico e eu entrei para coletivos de educação popular. Tudo isso vivendo em Porto Alegre.
Em nenhum desses espaços a relação de cliente e prestador de serviços estava estabelecida e hoje parece que está — ou quase. Vejo pessoas que só entram em associações ou movimentos sociais porque veem vantagens pessoais como aprender alguma coisa ou ganhar horas para o currículo. Contribuir para o sindicato só vale se ele apresentar bons resultados. A escola dos filhos recebe cobranças e não colaboração.
Associado, integrante, membro, paciente, aluno são posições que estão sendo apagadas aos poucos (será?), fica o cliente e o prestador, o funcionário e patrão, e o sindicato se enfraquece e o coletivo perde a força e a escola perde a potência e as associações não vão a lugar nenhum ou são carregadas nas costas por uns poucos ou tomadas por interesseiros pré-candidatos à vereador. Prefeituras são empresas e cidadãos são os que podem pagar. E parece normal e parece que sempre foi assim.
Não, não é normal.
A minha reflexão não está completa (isso é possível?) e eu não sei nem como fechar esse texto porque são nuances delicadas e um esforço pessoal para manter essas tantas relações vivas na minha vida, mas ser pessoal e ser a minha vida já leva para o âmbito do indivíduo de novo e individualmente não há colaboração.
Faz sentido sermos apenas clientes?